Era uma vez um homem que, ao longo de sua vida, sempre se considerou medroso. No final de 2010, exatamente em meados de dezembro, algo profundo e inexplicável aconteceu dentro dele. Uma mistura de sentimentos tomou conta do seu ser: medo, tristeza, e uma sensação de ter se equivocado na escolha de vida que havia feito. Embora esses sentimentos fossem normais para qualquer ser humano, eram totalmente estranhos para ele, que sempre fora uma pessoa alegre, brincalhona e que raramente deixava transparecer seus vazios interiores.
Ele travou uma luta interna por cerca de seis meses, tentando abafar a confusão que dominava seu coração. Perguntas assombravam sua mente: de onde vinha aquela confusão? Por que estava cada dia mais triste? Por que tudo aquilo que tinha acontecido 14 anos antes não o impulsionava a seguir em frente com a escolha que julgava definitiva?
Lembro-me como se fosse hoje. Ele perguntava a Deus: "O que está acontecendo comigo?" E a única resposta que recebia era o silêncio. Era uma realidade dura de se enfrentar, perceber que Deus permanecia em silêncio diante da sua confusão. Surgiam ainda mais perguntas: por que não podia ser igual aos outros? Por que não podia aproveitar duas escolhas ao mesmo tempo? Por que tinha que sentir aquela angústia que o sufocava?
Em um primeiro momento, ele tentou fugir da realidade, indo para a "Cidade Eterna", Roma, um lugar que sempre sonhara morar. Contudo, em menos de quatro meses, a paz continuava distante. Deus permanecia mudo, e suas orações não passavam do teto. Lembro-me de um dia específico, quando ele estava diante do túmulo de João Paulo II. Sentou-se em um banco reservado para padres e autoridades e, tomado por uma profunda vontade de chorar, um Guarda Suíço lhe trouxe um copo de água e disse: "Deus está do seu lado, e João Paulo II vai interceder por você."
Aquelas palavras tocaram seu coração, mas o medo e a angústia ainda dominavam sua alma. Ele voltou para casa naquele dia com um sentimento ainda mais forte: o medo de tomar uma decisão o levaria à infelicidade eterna. Naquele mesmo dia, uma decepção com uma pessoa muito querida aumentou sua sensação de solidão e desamparo. Decidiu então retornar ao Brasil, mas sentia que seus superiores não compreendiam o que se passava em seu íntimo.
Novas tentativas surgiram, como uma missão em Portugal, na cidade do Porto, onde até o bispo desconhecia sua chegada. O medo nos aprisiona, e ninguém é verdadeiramente livre vivendo no medo. Ele percebia que ninguém o entenderia se ele próprio não entendesse o que estava acontecendo consigo. A máxima "obediência rápida e sem questionar" já não lhe servia, pois dentro de sua confusão nasciam desejos conflitantes.
Em uma noite, em um mosteiro, ele gritou em voz alta dentro da capela: "Onde estás? Por que me abandonaste? Por que estás mudo? Queres que eu fracasse?" Após o grito, nada aconteceu, e a confusão se perpetuava dentro dele. Sentia-se cada vez mais só, uma solidão que não conseguia entender. Onde estava aquele a quem ele servira com amor e dedicação?
Hoje, ele decidiu escrever este texto. Em 2011, ele viajou para Roma com uma freira que agora não fala mais com ele devido à escolha que fez, contrária às expectativas de seus superiores. A escolha foi dolorida, cheia de provações que ainda enfrenta diariamente, mas ele encontrou a liberdade que Deus lhe concedeu, uma liberdade que supera crenças, ordens, leis e hierarquias.
Ele compreendeu que a solidão interior é algo com que todos devem aprender a conviver. A liberdade, como dizia Freud, deve ser exercida com responsabilidade. Essa compreensão o ajuda a ter empatia com as pessoas que atende em seu consultório. Ele percebeu que somos todos seres em um processo contínuo de amadurecimento. O abandono por parte daqueles que considerava irmãos lhe ensinou uma lição valiosa: Deus muitas vezes silencia para que possamos escolher e nos tornarmos verdadeiramente filhos Dele.
Ser filho de Deus, para ele, é ser acolhedor, é oferecer o que não recebeu e ajudar outros a encontrarem seu caminho. Ele optou por deixar a hierarquia e recomeçar, sem nunca desejar voltar. Ao ser questionado se sente falta de sua vida anterior, ele sempre responde: "Naquele lugar, não cabe mais o Alessander de hoje, que cresceu e aprendeu que o que importa é tornar a vida das pessoas que cruzam meu caminho um pouco mais feliz e humana."
Alessander Carregari Capalbo
Um pedaço da minha vida
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