Você já ouviu falar sobre a violência sexual contra homens? Embora ainda seja pouco discutido, esse é um problema grave, real e crescente. Em cinco anos, mais de 45 mil homens foram vítimas desse tipo de agressão no Brasil. Só em 2024, o número chegou a 10.603 casos registrados. E janeiro de 2025 já começou batendo todos os recordes anteriores, com 1.117 ocorrências. Esses dados mostram algo urgente: precisamos falar sobre isso.
O que é violência sexual?
Violência sexual não é apenas um ato físico. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se do uso da força, ou do poder, para obrigar uma pessoa a participar de uma atividade sexual contra sua vontade. Isso pode causar traumas profundos — físicos, emocionais, psicológicos e até sociais.
Muitas vezes, esse tipo de violência acontece de forma silenciosa, escondida, praticada por pessoas próximas da vítima. E os impactos são duradouros: dores emocionais, dificuldade de confiar, problemas nos relacionamentos e até prejuízos no desempenho escolar ou profissional.
O tabu que cerca os homens
Apesar das mulheres representarem a maioria das vítimas de violência sexual (mais de 330 mil casos entre 2020 e 2024), os homens também são atingidos. E, infelizmente, por questões culturais, sociais e emocionais, muitos não se sentem à vontade para denunciar ou buscar ajuda.
A sociedade, por muito tempo, ensinou que homens precisam ser fortes, não podem chorar, nem mostrar fragilidade. Quando um homem é vítima de abuso, ele pode sentir vergonha, medo de ser desacreditado, ou até confusão em relação ao que aconteceu. Isso faz com que muitos calem a dor — e sofram sozinhos.
Além disso, quando o agressor é outro homem, muitos sentem receio de que o episódio seja interpretado como um ato consentido, alimentando ainda mais o estigma e o silêncio.
Memórias que não se apagam
A ONG Memórias Masculinas foi criada justamente para oferecer apoio psicológico a homens que passaram por experiências de abuso. O psicólogo Denis Ferreira, um dos fundadores, conta que muitos desses homens só revelam o trauma anos depois, durante outras terapias. E mesmo quando recebem retorno para marcar atendimento, apenas metade comparece.
Ferreira destaca que muitos homens não conseguem sequer reconhecer que foram vítimas — especialmente quando o abuso foi cometido por uma mulher. Isso mostra como precisamos educar emocionalmente e sexualmente nossas crianças e adolescentes. Precisamos ensinar que abuso é qualquer contato sexual sem consentimento, independentemente do gênero da vítima ou do agressor.
Como identificar os sinais
Alguns sinais de que alguém pode ter sofrido abuso sexual incluem:
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Mudanças repentinas de comportamento;
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Oscilações de humor;
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Agressividade;
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Dificuldade de concentração ou aprendizagem;
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Isolamento social;
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Sintomas físicos sem explicação médica;
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Medo excessivo de pessoas ou lugares específicos.
Nos adultos, o trauma pode se manifestar como dificuldade de manter relacionamentos, baixa autoestima, culpa, ansiedade, depressão e uso abusivo de substâncias.
Por que é tão difícil pedir ajuda?
Para muitos homens, admitir que sofreram abuso é enfrentar medos profundos: o medo de serem julgados, de não serem levados a sério, de parecerem "fracos". A masculinidade, da forma como foi construída culturalmente, não deixa espaço para o cuidado com as próprias emoções.
Ferreira aponta que muitos homens têm dificuldade em buscar ajuda por dois principais motivos:
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A maioria dos abusos sofridos por homens são cometidos por outros homens, o que ativa preconceitos e medos relacionados à sexualidade e identidade.
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A pressão social para serem "protetores" e "fortes" faz com que não se sintam no direito de demonstrar fragilidade ou dor.
Mas é preciso lembrar: sofrer abuso nunca é culpa da vítima. A responsabilidade é sempre de quem cometeu a agressão. E buscar ajuda não é sinal de fraqueza — é sinal de coragem.
Como apoiar alguém que passou por isso?
Se alguém confiou em você para contar que foi vítima de violência sexual, você pode ajudar muito. Veja algumas atitudes que fazem a diferença:
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Acredite no que a pessoa está contando. Não minimize nem duvide.
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Ouça com empatia. Não pressione por detalhes. Respeite o tempo da pessoa.
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Ajude a pessoa a entender suas opções. Encaminhar para serviços de apoio psicológico, como psicólogos, grupos de escuta ou serviços públicos especializados, pode ser essencial.
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Jamais culpe a vítima. O abuso nunca é justificável.
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Peça permissão antes de qualquer toque físico. Mesmo um abraço pode ser gatilho para quem viveu um trauma.
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Cuide também de você. Apoiar alguém nessa situação pode ser emocionalmente pesado. Você também pode procurar apoio psicológico para lidar com isso.
E os impactos do abuso sexual?
Os efeitos de uma agressão sexual podem durar anos — ou a vida toda, quando não tratados. Entre os impactos mais comuns estão:
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Transtornos de ansiedade;
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Depressão;
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Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT);
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Dificuldades de sono;
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Problemas sexuais;
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Uso de álcool e outras drogas como forma de fuga;
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Pensamentos suicidas.
É por isso que o acolhimento e o tratamento psicológico são fundamentais. A vítima precisa ser ouvida, respeitada e acompanhada. E é justamente nesse espaço que a psicoterapia atua: ajudando a pessoa a reconstruir sua história com dignidade e sentido.
Buscar ajuda é um ato de amor-próprio
Se você foi vítima de violência sexual, ou conhece alguém que passou por isso, saiba que você não está sozinho. O trauma não precisa definir quem você é. Ele faz parte da sua história, mas não é o fim dela.
A psicoterapia é um caminho de cura. É nela que muitas pessoas reencontram a força que pensaram ter perdido. É nela que a dor encontra palavras, e o silêncio começa a se desfazer.
Muitos homens estão reescrevendo suas histórias. Você também pode dar esse passo. E se ainda não estiver pronto para falar, tudo bem. O importante é saber que existe um lugar seguro te esperando — e profissionais dispostos a te acolher, sem julgamento.
Para refletir…
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O que tem te impedido de buscar ajuda?
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Que peso você carrega em silêncio?
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Como seria sua vida se você decidisse se cuidar de verdade?
A dor que não é dita, se repete. Mas a dor que encontra escuta, pode ser transformada.